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Foto: Santiago Siqueira - 2025 |
Hoje pela manhã, observei uma cena que me deixou inquieto. Em uma pequena vaga de estacionamento de paralelepípedos, entre dois carros, restava apenas o toco de uma árvore recém-cortada. Ali, naquele espaço agora vazio, não havia apenas uma árvore: havia também um ser humano. Um morador em situação de rua que, de certa forma, havia feito daquele canto sua morada, sua proteção, seu refúgio.
A árvore dava sombra. O muro oferecia alguma proteção do vento. A igreja em frente talvez representasse um sopro de espiritualidade, ou quem sabe alguma esperança. Mas agora não há mais árvore, nem sombra, nem proteção.
A remoção da árvore pode ter sido decidida por motivos técnicos ou paisagísticos, mas o efeito colateral foi humano — e profundo. A retirada da árvore expulsou também a pessoa que ali estava. Não sei se foi intencional. Mas a coincidência, em frente a um templo religioso, levanta uma questão ética: será que a árvore foi cortada por conveniência, para afastar o "incômodo" da presença daquele que não tem onde morar?
É impossível não refletir sobre o modo como as cidades brasileiras lidam com a população em situação de rua. Há um esforço constante de invisibilização, de afastamento, de limpeza urbana que, na prática, é uma forma de higienismo social. O espaço público deixa de ser verdadeiramente público quando apenas parte da população tem direito a ele. O morador de rua passa a ser tratado como obstáculo, e não como ser humano.
Nos últimos anos, tem se intensificado o uso de “arquiteturas hostis”: bancos com divisórias, pedras sob viadutos, grades em espaços de descanso. Agora, talvez tenhamos chegado ao ponto de derrubar árvores que oferecem abrigo. A pergunta que fica é incômoda, mas necessária: de que lado estamos quando presenciamos essa exclusão silenciosa? Que cidade estamos construindo quando remover uma árvore se torna, também, uma maneira de remover uma pessoa?
A fé, a espiritualidade e o humanismo que deveriam transbordar das igrejas precisam ultrapassar seus muros. O compromisso com os vulneráveis não pode parar na porta do templo. Caso contrário, estaremos apenas preservando fachadas — de prédios, de pessoas, de ideias — enquanto seguimos ignorando as raízes profundas da desigualdade.
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